17 de janeiro de 2011

Fato & opinião

A primeira edição da Revista aU deste ano trás na seção "Fato & opinião" o seguinte tema: "Qual o nível do ensino de arquitetura no Brasil? A estrutura curricular deve ser revista? Quais os pontos que deveriam ser mais fortes?"


 
Andrey Rosenthal Schlee, diretor da FAU-UNB

“Há, ao mesmo tempo, cursos excelentes, que formam profissionais capacitados e habilitados para atuar, e outros cursos desqualificados, ou professores despreparados, ou ainda estudantes desinteressados. O crescimento do número de instituições públicas e privadas que atuam no ensino profissionalizante é enorme, mas o País também é. E maiores ainda são os nossos desafios. Num país tipicamente urbano, o arquiteto urbanista é cada vez mais fundamental. O importante, no entanto, é formar profissionais interessados em resolver os problemas do Brasil de hoje - e não mais continuar apostando numa formação descontextualizada, elitista e moldada nos termos da academia francesa do século 17. Precisamos urgentemente de planejadores urbanos, e apesar de já termos diretrizes curriculares e padrões de qualidade definidos para o ensino da arquitetura, ainda é preciso rever o perfil profissional que cada escola quer ou deve colocar no mercado - principalmente as públicas.”

Francisco Segnini Junior, coordenador da Comissão de Coordenação da FAU-USP

“O MEC, por meio das Diretrizes Curriculares, tem tentado garantir que os conteúdos básicos estejam presentes em todos os cursos de arquitetura e urbanismo do País. Entretanto, o que se observa é que nem sempre a aplicação dessas diretrizes se faz adequadamente. O rápido crescimento do número de cursos (hoje existem 215 cursos registrados) se dá, principalmente, por meio do ensino superior privado. Entre eles, a maioria é ministrada no período noturno, mas estruturada à semelhança dos cursos diurnos ou em tempo integral. Tal situação tem provocado distorções no processo de ensino e aprendizagem, permitindo que profissionais com preparo insuficiente detenham qualificações para o exercício da profissão. Eles tendem a representar riscos à sociedade. Além disso, a carga horária destinada às disciplinas técnicas tem diminuído. Arquitetura é projeto e construção. É necessário que as escolas retomem e aprofundem o ensino da tecnologia - esta, cada vez mais complexa e variada.”

Lucas Faulhaber, diretor geral da FeNEA

“Não se trata somente de um problema de ensino. Infelizmente, outros alicerces da nossa universidade, como pesquisa e extensão, são ainda mais sucateados - quando existem. As Diretrizes Curriculares vigentes até corresponderiam a uma formação de boa qualidade, mas o MEC não vem sendo capaz de exigir sua implementação nas faculdades, em grande parte por termos um sistema deficiente de avaliação do ensino superior. Defendo um currículo ainda mais voltado para a nossa realidade social, para que a universidade possa exercer o seu papel transformador.  Nesse sentido, conceituamos e defendemos os escritórios-modelo de arquitetura e urbanismo como uma atividade que pode gerar, ao mesmo tempo, aprendizado prático e um retorno à sociedade.”

José Antonio Lanchoti, arquiteto e urbanista, presidente da ABEA

“O ensino de arquitetura e urbanismo no Brasil vem se modificando ao longo desta última década, em decorrência da criação das Diretrizes Curriculares, implantadas pela primeira vez em 1994, para substituir o antigo Currículo Mínimo - e suas posteriores alterações. Com essas transformações, tem-se buscado compreender as novas demandas da sociedade de nossa época, respondendo-as com conhecimentos transmitidos aos futuros profissionais, por sua vez, cada vez menos preparados para a vida universitária. O Conselho Nacional de Educação realizou recentemente algumas alterações nessas Diretrizes Curriculares, o que promoveu um retrocesso de antigas conquistas. Agora, cabe reverter o retrocesso: ações sociais da profissão - assistência técnica para habitação de interesse social, questões de preservação ambiental, de defesa do patrimônio construído, de acessibilidade e da ética - serão pontos essenciais.”

Alvaro Puntoni, professor da FAU-USP e da Escola da Cidade, e arquiteto do escritório Gruposp

“Falta a organização de um Colégio de Arquitetos - órgão diferente do Crea -, que determine um sentido social mais amplo para arquitetura e exija exame específico para o exercício da profissão. Esta falta sugere uma estrutura de ensino frágil. Nas escolas, por outro lado, há o excesso de disciplinas autônomas e desconectadas, advindas de reformas do ensino na década de 60. Com as transformações sucessivas, os cursos foram se burocratizando e, infelizmente, hoje nossas escolas se pautam no currículo mínimo, que pressupõe a formação em 3.600 horas (até cinco anos). A Escola da Cidade aprovou em 2009 a matriz curricular de seis anos, mantendo as cinco disciplinas (urbanismo, tecnologia, desenho, história e projeto), o Estúdio Vertical, o programa de viagens de estudo (Escola Itinerante) e os seminários de realidade e cultura contemporânea, além de implantar o estágio assistido e criar a possibilidade de intercâmbio no 100 semestre. O aluno cursará disciplinas optativas e desenvolverá, ao mesmo tempo, seu trabalho final. Aquele que ingressa em uma escola de arquitetura deve ter tempo para construir um envolvimento mais profundo com esse universo. Ser arquiteto é ser construtor de um mundo que conhecemos e de outro que ainda não conhecemos. É importante permitir-se conhecer aquilo que não se sabe.”

Siegbert Zanettini, arquiteto e urbanista

“O ensino de arquitetura deixa a desejar na maioria das escolas do País. A produção do conhecimento em pesquisa é quase nula. Não são ministradas disciplinas que desenvolvam novas tecnologias, muito menos novas soluções para a estrutura urbana. Tampouco são propostos conhecimentos consolidados em ciências humanas, biológicas, exatas, econômico-administrativas e ambientais (incluindo ecoeficiência e sustentabilidade). Professores de projeto, em sua maioria, não exercem a atividade e não têm experiência gerencial em execução de obras. Por último, as escolas deveriam ser mais bem equipadas com bibliotecas, ateliês e, principalmente, ferramentas atuais de informática.”


Bem, basta dar uma olhada ao redor nas cidades brasileiras e aí você vê a importância do profissional arquiteto. A qualidade do espaço construído, no geral é muito baixa e a nossa sociedade ainda ignora a importância da nossa profissão, sendo que o planejamento urbano em muitas cidades ainda se dá de maneira espontânea. Entre outras coisas isso também é reflexo de um ensino fraco, que ainda forma profissionais elitistas preocupados em apenas montar um escritório e lucrar com a arquitetura (não que isso seja errado, mas tudo tem limite).

Mas a crítica maior que eu faço para tentar contribuir com a discussão é que, principalmente, nas Universidades públicas temos um modelo de ensino ALIENANTE! Fala-se em “dimensão social da arquitetura” e na “função social do arquiteto”, mas como o arquiteto pode ter noção disso sem um ensino que proporcione um debate franco e crítico da nossa realidade? No fundo, nossas escolas de arquitetura são extremamente tecnicistas formando peças para o mercado... projeto, não se ensina mais, o que se ensina hoje são “artimanhas” para se chegar a uma definição de planta baixa o mais rápido possível. E quando o aluno tenta ser sensato e produzir arquitetura é pego pela ditadura docente: “ou faz do meu jeito ou te reprovo!” (isso já ocorreu no meu curso!)

Enfim, a situação do ensino de arquitetura não é boa e precisa melhorar, isso é fato. Precisamos discutir mais e mais o perfil do profissional arquiteto no Brasil e as características da metodologia de ensino. A reflexão sobre o papel do arquiteto num país como o nosso se faz necessária para isso. Somos um país capitalista, periférico de terceiro mundo, e essa condição reflete diretamente sobre o espaço urbano e sobre a sociedade. O espaço urbano de um país como o nosso difere do espaço urbano de um país de primeiro mundo. Se queremos propor soluções para os nossos problemas temos que pensar criticamente a situação da nossa sociedade e da nossa realidade, e isso só é possível com uma EDUCAÇÃO CRÍTICA.

G4

Por Petter Isackson, acadêmico do Curso de Arquitetura e Urbanismo da UNIFAP.

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