25 de junho de 2013

PROPOSTA PARA UMA CIDADE MELHOR #1

Reclamar não é a solução. Para resolver um determinado problema é preciso estuda-lo para que assim, seja possível encontrar uma solução apropriada.

As áreas de ressaca da Cidade de Macapá não são um problema, mas sim, o modo com as ocupamos. A história nos mostra que a ocupação humana em áreas úmidas não é nenhuma novidade e muito menos exclusividade da região amazônica. O pensamento radical e extremista que se tem hoje, de que é preciso remover todas as ocupações em áreas de ressaca deve ser evitado por ser inviável tanto socialmente quanto economicamente. É preciso ter coerência diante de um problema que envolve mais de 100 mil pessoas, não se pode esquecer jamais que essas pessoas também têm direito à Cidade.

A política habitacional hoje posta em prática pelo governo e pela prefeitura é ineficiente, pois se pauta apenas por um único modelo de provisão da habitação, o mais caro, diga-se de passagem: a construção de conjuntos habitacionais. Sobre este modelo de prover habitação é preciso salientar que se assemelha à política habitacional do período da ditadura militar, quando da criação do BNH, que produziu 2,4 milhões de unidades em conjuntos distantes de qualquer serviço e infraestrutura, agravando mais ainda os problemas sociais das grandes Cidades brasileiras. Mais uma vez a história nos ensina que continuamos no caminho errado.

Os recentes acontecimentos de casos de violência no conjunto Mucajá provam que este modelo de política habitacional é ineficiente, causa prejuízos enormes à sociedade e serve somente para especulação eleitoral.

Para solucionar o problema (ou melhor, os problemas) de demanda por moradias em Macapá, é necessário, antes de tudo, entender que a Cidade é um organismo vivo e complexo e não pode ser tratada de qualquer jeito e por qualquer um. O Estado do Amapá possui grandes profissionais capacitados para trabalhar com a questão urbana – geógrafos, cientistas sociais, arquitetos e urbanistas, engenheiros, historiadores, artistas (sim, historiadores e artistas, sim! Uma Cidade agradável deve ser um museu a céu aberto e oferecer cultura aos cidadãos), portanto deve-se dar a chance dessa massa de profissionais qualificados manifestarem os seus pontos de vista sobre a Cidade... Muitos “políticos” e “jornalistas” tendenciosos já opinaram sobre como deve ser a Cidade e isso não deu certo, é hora de criarmos a cultura de debater a Cidade, quando nos ausentamos dessa discussão, facilitamos a atuação tendenciosa de grupos políticos que apenas têm interesse em se manter no poder.

Uma política habitacional eficiente deve se orientar por formas alternativas de prover habitação para todos os cidadãos, não somente aos cidadãos de baixa renda: a prefeitura e o governo podem, por exemplo, construir e/ou disponibilizar casas ou apartamentos para locação, ampliar a oferta de moradias bem localizadas é importante para reduzir os preços de aluguel e regular as atividades do mercado imobiliário. O mercado imobiliário não pode ser superior ao planejamento urbano da Cidade, como infelizmente tem sido.

Dentre as diversas experiências e tentativas de prover moradia digna para a população de baixa renda vale destacar a produção de moradia por MUTIRÃO AUTOGERIDO. Esta é uma sistemática bastante viável para a nossa realidade, visto que não são empresas que constroem as casas, mas a própria comunidade, com assistência técnica desde a fase do projeto à construção, fazendo com que a casa seja pensada e construída de acordo com as necessidades dos moradores, aumentando a autoestima e garantindo uma identidade maior com a Cidade. Os materiais de construção e assistência técnica devem ser fornecidos pela prefeitura, vale ressaltar que há legislação que regulamenta e garante às famílias de baixa renda assistência técnica gratuita, é a Lei Federal nº 11.888/2008.

“Vejo a cultura como convívio. Comer, sentar, falar, andar, ficar sentado tomando um pouquinho de sol. A arquitetura não é somente uma utopia, mas é um meio para alcançar certos resultados coletivos. (...) Assim, de uma cidade entulhada e ofendida pode, de repente, surgir uma lasca de luz em um sopro de vento.” Arquiteta Lina Bo Bardi.







10 de junho de 2013

Morar na era moderna

A questão do mundo em que vivemos é particularmente a questão do espaço urbano onde efetivamente se produz e se reproduz, hoje, o conhecimento, em especial uma forma muito peculiar de conhecimento que é aquele sobre nós mesmos, diretamente aplicado na ação política, naquilo que é o viver presente e na conquista de novos espaços absolutamente necessários para a sobrevivência.

A questão da moradia, da casa, pode de fato representar, sob muitos aspectos, uma questão focal fundamental. Na verdade, o mundo vive essencialmente uma crise aguda que há muito se delineia: acredito que a história seja uma história de crises permanentes porque o homem é, sem dúvida, uma invenção de si mesmo. É consenso o fato de que a espécie humana caracteriza-se pela condição artística, um conhecimento peculiar capaz de realizar prospecções sobre o futuro, anúncios de projetos definitivamente marcantes para o nosso destino.

A casa é o abrigo que acompanha o homem e tem sido por contradição, o lugar onde se mostram, se exibem e se encontram, por meio da história e dos achados arqueológicos, notícias sobre a essencialidade da vida; e, ao mesmo tempo, o lugar da maior contradição entre o que é a coragem ou a aventura do homem e o seu medo ou sua covardia. A origem da casa é o abrigo, o esconderijo, a gruta, covil de um homem que sem dúvida esteve apavorado em algum momento da sua existência.

Ora, o que seria a casa hoje? A casa tem servido nos últimos tempos como instrumento extremamente retrógrado das forças mais reacionárias contra a liberdade do homem. A realidade concreta da nossa época, a rejeição da cidade, a ideia da casa como realização que está fora da realidade da cidade, essa casa que pretende a volta ao campo, que pretende idealizar o castelo senhorial, que nega a liberdade do homem, que se liga à ideia de herança, fortuna, de lugar outra vez, agora de forma anacrônica, de guarda de tesouro. Essa casa não é mais a casa moderna. Hoje, o habitat do homem é a cidade.

A condição de moradia distanciou-se há muito tempo do que poderia ser considerado, como fato isolado, uma casa; ela é representada pela conquista histórica, pela situação urbana. Essa situação em que as trocas se processam com velocidade enorme, em que a afetividade se resolve e se explicita em dimensões jamais esperadas, em que o espetáculo, os jornais, a televisão, a troca de informações, a universidade, as providências em relação a nós mesmos, a compreensão dos valores do trabalho e da política que se estabelece para o destino que se deva dar à economia e as razões da classe trabalhadora se sobrepõem no cenário cuja riqueza é por ela construída, esse lugar é cidade, a polis, o lugar político, a tribuna da vida moderna.

A casa, particularmente nos países atrasados e de passado colonial como o nosso, é uma necessidade quantitativa, escandalosa, e não poderá ser pensada simplesmente como uma unidade de habitação. Para suprir essa necessidade nós teremos que inventar, aceitar, reconhecer a casa realmente contemporânea que conte fundamentalmente com os recursos da grande cidade. A sua arquitetura, a sua forma, será nitidamente associada com o que se reconhece como o desenho da cidade, associada às circunstâncias que alimentam perspectivas em relação à prole; uma casa que compreenda e subentenda a existência de escolas, parques, transporte público, de felicidade enfim, esta quimera capaz de apaziguar e recompor uma história amarga, na qual contingentes enormes da população são estigmatizados, desprezados, relegados à miséria.

Paulo Mendes da Rocha,

São Paulo, 13 de Setembro de 1986.